quarta-feira, 5 de dezembro de 2007

um beijo, à distância

Eu estava tão feliz, apenas pela pequena delicadeza de me mandares um beijo, à distância. Depois de tantos dias de solidão, febre e envelhecimento, aquele teu gesto me restituiu o homem que eu não encontrava mais em mim, e em minha janela eu já conseguia ver estrelas e até uma ponta da lua. E me permitiu olhar não mais apenas para o passado, mas adiante. Restos de força recolhi pelos cantos da casa para refazer meu sorriso e meu olhar que iriam te receber com tamanho entusiasmo e aplacariam tudo o que não coubesse naquele abraço longo e sôfrego que eu antevia. Estava tão feliz e parecia definitivo, embora não ignorasse que a felicidade se leva muito tempo para construir e um instante para pôr abaixo. Como num golpe, as gigantes nuvens carregadas voltaram a espreitar meu desassossego. Mas guardei aquela tua pequena delicadeza que traduzi como prova de amor. Aquele beijo, à distância, guardei bem junto de mim. E é ele que docemente me desperta a cada manhã.

quarta-feira, 21 de novembro de 2007

e agora você está só


(...) é muito mais fácil contabilizar os números do que os sentimentos e as culpas pelo que cada um está fazendo de errado. Fechar a conta somando e diminuindo os custos é um exercício de cálculo. Fechar a conta somando e diminuindo os erros e acertos é um exercício de humildade. Fechar a conta sem sequer abri-la é um exercício de generosidade. (André Mags)



E agora você está só. E agora você tem apenas um passado tão lindo que lhe dá medo memorá-lo, pois dói tanto sabê-lo passado, absoluto, cada vez mais distante. Passado que você não consegue nem jogar fora nem pendurar na parede. Todos aqueles planos tão singelos e tão sonhados agora pertencem ao futuro do pretérito. Pertencem a um futuro que não enxergam os olhos da esperança, mas os embaçados olhos do inalcançado. Você queria tanto fazer o tempo voltar um pouquinho. E a angústia de não poder. Se você soubesse o que estava em jogo. Mas você sabia. Se você soubesse que não valem as palavras, não valem os humores, não valem as incomodaçõezinhas ante ao fato de que aquela mulher detentora da sua felicidade pode simplesmente dizer-lhe adeus. Mas você sabia. Agora o que importa seu orgulho? O que importa seu ímpeto? Agora o que importa quem tinha razão? O que importa agora?

Agora você está só. E não se trata, você bem sabe, daquela solidão boa que você antes chegava a ensejar. Agora sua solidão é uma solidão impossível. Impossível e permanente. Uma solidão pesada que não é liberdade, mas é falta, é lembrança, é ausência. Uma solidão que no cinema vai comer pipoca ruidosamente ao seu lado. Que no bar vai estar caindo de bêbada e babujar com hálito quente e mal-cheiroso verdades na sua cara. Que nas viagens vai convidar-lhe para voltar para casa e em casa vai implorar-lhe para fugir.

Só. E você bem sabe que não adianta pensar que a morte existe e que de qualquer modo todos temos de enfrentar. Porque a morte é um imperativo, a morte nos transcende. Mas sua felicidade está logo ali, e poderia bastar um telefonema. Tudo que você queria é que ela atendesse o telefone e mesmo com uma voz amuada aceitasse passar o fim de semana em um chalezinho de um lugar quase deserto para que você pudesse propor a renúncia a tudo o que não seja amor. Aí você mostraria para ela o quanto a ama e você seria feliz apenas por vê-la sorrir, por vê-la dormir, por vê-la acordar e lhe dar bom dia. Você seria feliz apenas por vê-la feliz.

Mas agora você está só. E o arrependimento é um grito sem reverberação, que só você ouve e de nada adianta. E você sabe que não há culpados porque não há crime. E agora você descobriu que tudo foi posto fora e não precisava, e não devia, e não podia. E você não queria. Mas por algo que você não sabe ao certo – orgulho? egoísmo? intolerância? – você trocou o tudo pelo nada. Lembra daqueles programas idiotas de televisão? “Você troca uma banana estragada por um automóvel?” “Siiiiiiiiimmmmmmmm”. Você trocou. E agora você está só. Insuportavelmente só.

sexta-feira, 12 de outubro de 2007

a morte de ivan ilitch

como escrevi outrora aqui, a idéia original do blogue não é postar citações alheias. na falta de tempo e daquilo que se chama abstratamente de inspiração, porém, um cumprimentozinho com chapéu alheio não é idéia desprezível. por isso, hoje cumprimento com o chapéu pesado e doloroso de Tolstói. trata-se de um trecho de "a morte de ivan ilitch" em que o personagem que dá nome à novela, conversa, por assim dizer, com uma voz interior, espirutual, a pouco tempo do inevitável fim de sua existência:

— Viver? Viver como? — perguntou a voz do espírito.
— Sim, viver como vivi antes: bem, agradavelmente.
— Como viveste antes, bem e agradavelmente? — perguntou a voz. E ele começou a examinar na imaginação os melhores momentos de sua vida agradável. Mas, fato, estranho, todos estes momentos melhores de uma vida agradável pareciam agora completamente diversos do que pareceram então. Tudo, exceto as primeiras recordações da infância. Lá, na infância, existia algo realmente agradável, e com que se poderia viver, se aquilo voltasse. Mas não existia mais o homem que tivera aquela experiência agradável: era como que a recordação sobre alguma outra pessoa.
E apenas começava aquilo que dera em resultado o seu eu atual, Ivan Ilitch, tudo o que parecia então ser alegria derretia-se aos seus olhos, transformando-se em algo desprezível e freqüentemente asqueroso.
E quanto mais longe da infância, quanto mais perto do presente, tanto mais insignificantes e duvidosas eram as alegrias. A começar pela faculdade de Direito. Ali ainda havia algo verdadeiramente bom: havia a alegria, a amizade, as esperanças. Mas, nos últimos anos, esses momentos bons já eram muito raros. Depois, no tempo do seu primeiro emprego, junto ao governador, surgiram de novo momentos bons: eram as recordações do amor a uma mulher. A seguir, tudo isso se baralhou, e sobravam ainda menos coisas boas. Adiante, ainda menos, e, quanto mais avançava, mais elas minguavam.
(León Tolstói. in: A Morte de Ivan Ilitch)

quarta-feira, 5 de setembro de 2007

um rato foi atropelado ao tentar atravessar a rua

Um rato foi atropelado ao tentar atravessar a rua. Em meio ao largo asfalto da avenida, seus restos jazem esmagados, quase irreconhecíveis, não fosse o rabo, inconfundível cauda comprida e fina de um rato que viveu se alimentando das nojeiras humanas. Um rato foi atropelado ao tentar atravessar a rua. E os carros seguem passando por cima do rato. Carros com gente séria, apressada, atrasada, alarmada. Carros com gente se escondendo em cigarros, telefones, óculos escuros. Gente se escondendo atrás da dissimulada seriedade. Gente correndo atrás de comida. Gente correndo atrás de gente. Em meio ao zumzumzum e ronronrom dos carros que passam sem elegância, apresentam-se as já secas vísceras do rato que foi atropelado ao tentar atravessar a rua. Talvez o autor do acidente nem saiba que o cometeu, mas eu sei que morreu um rato, porque vi os restos estraçalhados do que fora, há pouco, um rato. Se tinha filhos não sei. Sua idade, por onde andou, onde dormia são informações que ignoro. Só sei que um rato foi atropelado ao tentar atravessar a rua. Mas com tantas atrocidades por aí, pode dizer-me alguém, e enumerar com indignação a guerra, a fome, a aids, a violência, o meio ambiente em degradação. Porém, só o que me tirou do torpor ligeiro do dia-a-dia foi aquele rato que não teve sucesso na tentativa de chegar ao outro lado da rua. Que ia ele fazer no lado oposto é um mistério que nunca será revelado. Com o passar dos pneus, o tempo veloz não deixará nenhum vestígio daquele ser. Os carros seguirão passando, os senhores e senhoras continuarão passando, as crianças continuarão a brincar. Eu continuarei passando por ali e pode ser até que um dia este episódio se apague por completo da minha memória. Mas um rato foi atropelado ao tentar atravessar a rua.

quarta-feira, 1 de agosto de 2007

o maior artista de cinema desde a invenção da câmara de filmar


A morte de Ingmar Bergman, ocorrida por irônica coincidência no mesmo dia da morte de Michelangelo Antonioni, encerra o mais artisticamente grandioso ciclo da arte cinematográfica. Para mim, Bergman foi o maior realizador da história da cinema. Se suas obras-primas fossem apenas O Sétimo Selo, Gritos e Sussurros e Morangos Silvestre, já o seria, mas tem ainda a trilogia do silêncio, Sonata de Outono, Persona, A Flauta Mágica, entre tantos outros. Fellini foi mais criativo? Antonioni foi mais ontológico? Eisenstein foi mais técnico? Glauber foi mais engajado? Buñuel foi mais visceral? Tarkovski foi mais poético? Kubrick foi mais pictório? Kurosawa foi mais terno? Visconti foi mais versátil? Talvez. Mas o mestre sueco soube usar cada um desses ingredientes como ninguém soube e, arrisco, não saberá. É por isso que, como disse Woody Allen, Bergman foi o maior artista do cinema desde a invenção da câmara de filmar. E por falar em Woody Allen, será ele o maior cineasta vivo a partir da morte de Bergman e Antonioni? Não vejo muita concorrência. Apenas Godard pode fazer frente. Mas acho que Godard é mais importante como agitador cultural do que como realizador de cinema.

*Postei uma homenagem a Bergman e Antonioni no blogue OutroCine

quinta-feira, 26 de julho de 2007

uuuuuuuuuuuuuuhhhhhhhhhh........


A cordialidade do brasileiro só se manifesta quando não deveria, quando não é cordialidade, mas letargia, inércia, covardia, preguiça, servidão, egoísmo. O sentimento de nacionalidade é (mal) catalisado para o esporte. A cada medalha somos mais orgulhosos do Brasil, não por vontade própria, mas instados pelo Galvão Bueno.

Os jogos pan-americanos do Rio de Janeiro serviram ao extravasamento da idiotia e da bestialidade em que naufraga a nação. As vais despropositadas e infelizes que se viu em certas situações impróprias comprovam a constatação. Nada mais propício para mostrar o lado escuro da humanidade do que o anonimato proporcionado pela massa. Não sou o João, o Pedro, a Maria nem a Iracema, sou brasileiro, torcedor, sou o povo. Não me julguem, julguem a massa.

Em diversas ocasiões durante os jogos foi triste ver o público usar a força da coletividade para tão torpe manifestação. É claro que toda a torcida quer ver seu país no local mais alto do pódio – para usar o jargão dos narradores. Porém, ao menos nas provas individuais e que sobremodo exigem concentração, não é razoável que, no intuito de favorecer um atleta brasileiro, atrapalhe-se com vais a concentração de outro. Peguemos como exemplo a ginástica. Nas provas de salto, uma esportista cubana, sob os gritos desencorajadores da turba, perdeu a concentração e o equilíbrio, não conseguindo permanecer em pé após a manobra. Deleite da massa.

Em outra ocasião, a vaia foi ainda mais imprópria. As seleções brasileira e cubana de vôlei feminino protagonizaram talvez o jogo mais disputado da história deste esporte. Na disputa pela medalha de ouro, ambas as equipes se apresentaram maravilhosamente e eram dignas do título. No tiebreak, vitória apertadíssima da seleção da ilha caribenha, prata para o excelente time brasileiro.

Neste tipo de esporte, coletivo e de embate direto – diferente da ginástica, em que a classificação depende do cotejo das notas atribuídas à apresentação individual dos atletas – vaias à equipe adversária são perfeitamente justificáveis. Agora, na entrega das medalhas, as campeãs mereciam o aplauso e o reconhecimento por terem batido um adversário fortíssimo. O que ocorreu, entretanto, foi uma chuva de vaias com o objetivo de estragar a festa das cubanas. Lamentável. Deve ter sido a válvula que garante aos brasileiros a medalha da cordialidade frente ao fato de subirmos impassíveis ao pódio da desigualdade social.

domingo, 22 de julho de 2007

declaração de amor ao cinema

Atingir a simplicidade aliada à qualidade é tarefa muito mais difícil do que parece. Tanto que Jorge Furtado, um dos melhores e mais criativos cineastas do Brasil, precisou de quatro longas para resolver esta equação. Mas o fez, com “Saneamento Básico”, um filme engraçado e inteligente que, no dizer do próprio cineasta, é “uma declaração de amor ao cinema” (não confundir declaração de amor com chatice militante).

Depois de realizar ótimos curtas como “O dia em que Dorival encarou a guarda”, “Esta não é a sua vida”, “Ângelo anda sumido”, “Sanduíche” e, claro, “Ilha das Flores”, além de trabalhos legais para televisão, Furtado realizou três longas decepcionantes. Tanto “Houve uma vez dois verões” quanto “O homem que copiava” e “Meu tio matou um cara” têm elementos de criatividade e competência, porque Furtado é um ótimo cineasta, mas todos pareciam não fazer jus ao potencial do diretor. Parecia que o cineasta gaúcho se conformara a reproduzir o esquema de comédia do núcleo Guel Arraes da TV Globo e, por outro lado, não havia se desembaraçado do esquema narrativo que o consagrou em Ilha das Flores. Em suma, parecia faltar fome artística a Furtado.

Saneamento Básico prova que é possível fazer um filme inteligente, engraçado e de apelo popular, não um apelo que faz concessões aos ditames estéticos e narrativos já constituídos, mas que convida o espectador a participar do filme, em vez da atitude arrogante que se vê por aí dizendo: “sou um cineasta inteligente e meus filmes só podem ser vistos por pessoas cultas (ou cult, para soar mais cult)”. Nem isso e nem “faço filmes bobinhos e rasos porque o que o povão quer é mais do mesmo”.

O filme serve também como um manual prático de cinema para iniciantes, com problemas com que qualquer pessoa que já se aventurou a produzir uma obra audiovisual já enfrentou. A história se passa em um lugarejo no interior de Bento Gonçalves, na serra gaúcha. A comunidade tenta solucionar o problema com a fossa sanitária, que expele um cheiro horroroso. Na prefeitura, recebem a resposta de que não há verbas para obras de saneamento básico, mas existe um financiamento de 10 mil reais do Ministério da Cultura para a produção de um curta. A idéia é fazer um vídeo qualquer para usar o dinheiro na obra. O único porém é que aquelas pessoas não sabem absolutamente nada sobre cinema. Ao saber da exigência do edital de que a produção deve ser de ficção, imaginam que precisam fazer uma ficção científica. A idéia, que parece à primeira vista uma insensatez, vai ganhando força e, principalmente, o entusiasmo dos envolvidos.

No início, a única pessoa que se engaja para a produção do vídeo – mesmo assim com o único objetivo de resolver o problema da fossa – é Marina, a personagem de Fernanda Torres. O primeiro a comprar a idéia é Joaquim, o marido de Marina, vivido por Wagner Moura. Silene (Camila Pitanga), a fútil e bela irmã de Marina, vê no projeto uma forma de extravasar sua vaidade e quem sabe catapultar uma carreira de modelo, e Fabrício (Bruno Garcia), proprietário de uma pousada no local e namorado de Silene, é o dono da câmera, e só aceita participar da filmagem por temor de que estraguem o equipamento. Otaviano (Paulo José), pai de Marina, é um velho e desiludido veneziano de uma família nobre e decadente. Teve educação, ouve ópera, mas ganha a vida fabricando móveis nos confins do Rio Grande do Sul. Aos poucos, todos vão sendo seduzidos pela construção do vídeo, que ganha fôlego com a entrada de Zico (Lázaro Ramos), dono de uma produtora de vídeo em Bento especializada em aniversários e casamentos.

Saneamento Básico não tem um personagem principal, cada um tem mais ou menos a mesma importância no filme. E um dos motivos de Saneamento Básico ter dado certo é a complexa particularidade de cada personagem. Não há tipos, cada um possui suas vicissitudes que garantem a singularidade. Quem mais corre o perigo de tornar-se um tipo é Silene com seu sonho de celebridade, mas não chega a cair no estereótipo. Ela difere muito da irmã, cujo investimento não é em si próprio, mas em um projeto que melhorará a vida de todos. Os atores sem dúvida foram importantíssimos para a composição dos personagens. A máxima de Hitchcock, “ator é gado”, não é compartilhada pelo diretor de Saneamento Básico.

É um filme que pode ser visto por vários vieses, inclusive opostos. E isso é o que confere qualidade artística a uma obra. Inúmeras “caixas de diálogo” surgem ao longo da projeção. Quem está interessado em apenas uma história boa e bem contada, fica satisfeito. Mas quem acha que um filme deve “levantar questões”, também é um prato cheio. Um país pobre, com chagas sociais gritantes, pode dar-se ao luxo de despender milhões e milhões de reais para a produção de cinema? Obras de saneamento são mais importantes que o investimento em cultura? O esforço pessoal para obter resultados coletivos vale mais a pena do que o auto-investimento? Essas e muitas outras questões estão presentes no filme, sem resposta. A única afirmação é a do poder que a cultura (especificamente o cinema) tem de transformar as pessoas.


O trailer do filme:



Entrevista de Furtado à Carta Capital no blogue OutroCine

quarta-feira, 18 de julho de 2007

Em tempos de supremacia da auto-ajuda (ainda que disfarçada de neuro-lingüística e outras fantasias), é cada vez mais difícil escrever um texto como o que pretendo sobre o terrível acidente aéreo ocorrido na terça-feira em São Paulo. Mas tento.

Por mais que saibamos que a morte faz parte da vida, a dor da perda de pessoas queridas é sempre dolorosa, principalmente quando acontece de uma forma inesperada como esta. Há centenas, milhares de pessoas que morrem diariamente em decorrência da desigualdade social extrema e violenta, da fome, das guerras (declaradas ou não), do descaso no sistema público de saúde, da forma de vida cada vez menos humana que a humanidade tem escolhido. Mas um acidente destes, tão próximo de nós, obriga-nos à reflexão.

Logo que se toma conhecimento da notícia do acidente, a primeira coisa que se torce é para que não haja nenhum conhecido entre os passageiros do vôo. Mas logo passei a pensar nas tantas pessoas por quem tenho profundo carinho e que faz tempo que não vejo. Anos, em alguns casos. Se uma delas estivesse à bordo do avião que explodiu, viria o remorso de não ter compartilhado mais a vida enquanto havia chance. Quem sabe falar-lhe sobre o quanto gosto dela.

Há pouco, uma amiga escreveu em seu blogue uma carta aberta a uma conhecida dela com quem se encontrara fortuitamente depois de muito tempo. Esta amiga da minha amiga cogitou uma consulta aos astros para saber o que eles planejavam com aquele encontro. Não sei se os astros tiveram responsabilidade nisso, não creio que eles tenham este poder. Mesmo que tivessem, não deveríamos contar com isso.

Submersos em compromissos, acabamos deixando pra depois e por fim esquecendo o compromisso de matar a saudade, compartilhar a vida, estar com quem amamos e com quem nos ama. Às vezes substituem isso por contatos frios e distantes pelo orkut, msn etc. Auto-engano. A vida é o que existe, e não se pode saber até quando.

(Acabo de pensar que tudo o que eu queria escrever aqui já foi escrito tanto, e que às vezes as palavras não valem quase nada.)

segunda-feira, 16 de julho de 2007

meteorologia



Esta tarde faz vermelho

Sinal de que a noite

Será carregada de vazios

E carente de estrelas

Prevejo tempos de desalegria
Desalento pelas manhãs
E crepúsculos duradouros
Mas com nuvens de esperança

domingo, 8 de julho de 2007

anotações para um improvável ensaio poético-filológico

Não sei por que, mas fiquei pensando nos dois significados da palavra presente. O momento presente seria um presente (de deus?)? Ou seria a palavra presente – no sentido de mimo, regalo – filha daquela que significa agora? Quem concede um presente teria a intenção de manter-se presente na ausência? Neste caso, não vale oferecer, por exemplo, um chocolate ou uma rosa, do que fica apenas a ausência. Aliás, uma flor, tão linda enquanto presente, murcha e morre, assemelhando-se mais à ausência que à presença. Em suma, à saudade, cacto no jardim das lembranças. Por outro lado, considerando que o tempo presente seja um presente de deus, existem momentos – aqueles em que se deseja que o passado volte a ser presente – que o presente é um presente de grego.

Observação de relevância nula: o verbo apresentar parecia dar-me uma solução, mas acabou por aprofundar a dúvida, pois pensei que ali estivesse a origem do substantivo presente (no sentido de mimo, regalo), estando este separado de presente no sentido de tempo. Mas me convenci de que apresentar significa tornar presente, trazer à presença... e voltei à estaca zero.

segunda-feira, 2 de julho de 2007

aprendizagem


A idéia original deste blogue não é postar citações, mas como ando meio escasso de tempo e com déficit de inspiração, vai uma clarice lispector, que corresponde ao que eu gostaria de escrever no momento, mas nem que o tempo parasse para mim eu conseguiria:


Ainda era cedo para acender as lâmpadas, o que pelo menos precipitaria uma noite. A noite que não vinha, não vinha, não vinha, que era impossível. E o seu amor que agora era impossível – que era seco como a febre de quem não transpira era amor sem ópio nem morfina. E "eu te amo" era uma farpa que não se podia tirar com uma pinça. Farpa incrustada na parte mais grossa da sola do pé.
(Clarice Lispector. in: Uma Aprendizagem ou O Livro dos Prazeres)

sábado, 16 de junho de 2007

Demoliram a casa de minha avó

Demoliram a casa de minha avó
Casa de madeira e de sol e de sombra
Casa de domingo com pátio
de churrasco e esconde-esconde
Pátio de tatu-bola e de lagartas aladas

Para construir seis andares
Com quatro apartamentos cada
Com dois dormitórios cada
Demoliram a casa de minha avó
E agora não sei mais
Onde guardar minha infância

segunda-feira, 4 de junho de 2007

Escrevi o texto abaixo para a cadeira de Leitura e Produção Textual. Era para ser uma apresentação pessoal. A professora disse que não consegui me apresentar. Também acho. Mas como o texto é mais ou menos sobre isso, e também um pouco sobre a escrita, acho que tem tudo a ver publicar em um blogue recém-nascido. Então, ei-lo:


espelhos

Diante do espelho, um ponto de interrogação. Ser não é tarefa fácil. Recordo o dia seguinte ao de minha formatura. Sim, eu era um graduado, com um diploma e direito a cela especial. No entanto, defronte ao espelho minha cara era a mesma. Ser o quê? Definir-se como? Ninguém é antes do reconhecimento do outro. Somos, portanto, o espelho do outro. E, à frente do espelho, somos o que queremos apresentar ao olhar do outro. Dificílimo, de fato, este esforço de ser.

Pois no espelho, tentando deixar de moldar para ver o que contém a moldura, vejo-me um pouco como um seguidor do mesmo anjo torto que exortou Drummond a "ser gauche na vida". Um homem que admite enxergar nu o rei que todos fingem ver com as mais belas vestes e que, às vezes, paga caro por isso. Alguém que não sabe ganhar dinheiro por se interessar mormente pelas coisas que, de tão grandes, são insignificantes. Um abraço, um olhar, um sorriso, um filme sem desfecho conclusivo. Um homem que aprendeu a ver na pequenez do cotidiano a grandeza que a maioria só vê em um Deus distante.


Creio-me um homem sem destino, mas com projetos; sem proteção, mas com amigos; com muitos amigos, mas solitário; com um coração alegre, mas não feliz. Um homem que entre os homens passa despercebido, uma fruta que o paladar estranha antes de sentir – quando sente – o sabor. Não assuste-se o leitor por tantas e tamanhas abstrações. É assim que driblo a dificuldade da autodefinição, como um espelho que, de tanto distorcer a imagem que reflete, acaba por revelar detalhes nunca percebidos antes.


É esse espelho distorcido que pretendo construir nos textos que escrevo. Um espelho jamais poderá ser o objeto que se encontra postado a sua frente. Tampouco poderá ser absoluta, isto é, ninguém consegue olhar um espelho sem enxergar-se nele refletido. Assim, penso, deve ser o bom texto literário, construído em conjunto com o leitor. O escritor precisa perceber que não se fabrica espelhos – nem textos – que não sejam para refletir quem lhe encara. Aonde desejo chegar, pergunta o leitor. Respondo: quem sou importa menos do que quem quero ser. Um fabricante de espelhos, eis o que me pretendo.

quinta-feira, 31 de maio de 2007

blog novo

resolvi me render à google e vir para o blogger. para começar na nova casa, uns poemas-brincadeiras que fiz alguma vez, há algum tempo. chamei de poema dicionário. escolhi alguns verbetes do houaiss e separei a descrição em versos, com pequenas alterações, de modo que ficassem poéticos. lá vão dois deles:


claridade no céu
entre a noite e o Sol
ou entre seu ocaso e a noite
dispersão da luz solar
na atmosfera
e em suas impurezas


(crepúsculo)



peça
de escultura formada
de elementos individuais feitos
de material leve suspensos
por fios artisticamente oscilando
ao vento


(móbile)