quinta-feira, 26 de julho de 2007

uuuuuuuuuuuuuuhhhhhhhhhh........


A cordialidade do brasileiro só se manifesta quando não deveria, quando não é cordialidade, mas letargia, inércia, covardia, preguiça, servidão, egoísmo. O sentimento de nacionalidade é (mal) catalisado para o esporte. A cada medalha somos mais orgulhosos do Brasil, não por vontade própria, mas instados pelo Galvão Bueno.

Os jogos pan-americanos do Rio de Janeiro serviram ao extravasamento da idiotia e da bestialidade em que naufraga a nação. As vais despropositadas e infelizes que se viu em certas situações impróprias comprovam a constatação. Nada mais propício para mostrar o lado escuro da humanidade do que o anonimato proporcionado pela massa. Não sou o João, o Pedro, a Maria nem a Iracema, sou brasileiro, torcedor, sou o povo. Não me julguem, julguem a massa.

Em diversas ocasiões durante os jogos foi triste ver o público usar a força da coletividade para tão torpe manifestação. É claro que toda a torcida quer ver seu país no local mais alto do pódio – para usar o jargão dos narradores. Porém, ao menos nas provas individuais e que sobremodo exigem concentração, não é razoável que, no intuito de favorecer um atleta brasileiro, atrapalhe-se com vais a concentração de outro. Peguemos como exemplo a ginástica. Nas provas de salto, uma esportista cubana, sob os gritos desencorajadores da turba, perdeu a concentração e o equilíbrio, não conseguindo permanecer em pé após a manobra. Deleite da massa.

Em outra ocasião, a vaia foi ainda mais imprópria. As seleções brasileira e cubana de vôlei feminino protagonizaram talvez o jogo mais disputado da história deste esporte. Na disputa pela medalha de ouro, ambas as equipes se apresentaram maravilhosamente e eram dignas do título. No tiebreak, vitória apertadíssima da seleção da ilha caribenha, prata para o excelente time brasileiro.

Neste tipo de esporte, coletivo e de embate direto – diferente da ginástica, em que a classificação depende do cotejo das notas atribuídas à apresentação individual dos atletas – vaias à equipe adversária são perfeitamente justificáveis. Agora, na entrega das medalhas, as campeãs mereciam o aplauso e o reconhecimento por terem batido um adversário fortíssimo. O que ocorreu, entretanto, foi uma chuva de vaias com o objetivo de estragar a festa das cubanas. Lamentável. Deve ter sido a válvula que garante aos brasileiros a medalha da cordialidade frente ao fato de subirmos impassíveis ao pódio da desigualdade social.

domingo, 22 de julho de 2007

declaração de amor ao cinema

Atingir a simplicidade aliada à qualidade é tarefa muito mais difícil do que parece. Tanto que Jorge Furtado, um dos melhores e mais criativos cineastas do Brasil, precisou de quatro longas para resolver esta equação. Mas o fez, com “Saneamento Básico”, um filme engraçado e inteligente que, no dizer do próprio cineasta, é “uma declaração de amor ao cinema” (não confundir declaração de amor com chatice militante).

Depois de realizar ótimos curtas como “O dia em que Dorival encarou a guarda”, “Esta não é a sua vida”, “Ângelo anda sumido”, “Sanduíche” e, claro, “Ilha das Flores”, além de trabalhos legais para televisão, Furtado realizou três longas decepcionantes. Tanto “Houve uma vez dois verões” quanto “O homem que copiava” e “Meu tio matou um cara” têm elementos de criatividade e competência, porque Furtado é um ótimo cineasta, mas todos pareciam não fazer jus ao potencial do diretor. Parecia que o cineasta gaúcho se conformara a reproduzir o esquema de comédia do núcleo Guel Arraes da TV Globo e, por outro lado, não havia se desembaraçado do esquema narrativo que o consagrou em Ilha das Flores. Em suma, parecia faltar fome artística a Furtado.

Saneamento Básico prova que é possível fazer um filme inteligente, engraçado e de apelo popular, não um apelo que faz concessões aos ditames estéticos e narrativos já constituídos, mas que convida o espectador a participar do filme, em vez da atitude arrogante que se vê por aí dizendo: “sou um cineasta inteligente e meus filmes só podem ser vistos por pessoas cultas (ou cult, para soar mais cult)”. Nem isso e nem “faço filmes bobinhos e rasos porque o que o povão quer é mais do mesmo”.

O filme serve também como um manual prático de cinema para iniciantes, com problemas com que qualquer pessoa que já se aventurou a produzir uma obra audiovisual já enfrentou. A história se passa em um lugarejo no interior de Bento Gonçalves, na serra gaúcha. A comunidade tenta solucionar o problema com a fossa sanitária, que expele um cheiro horroroso. Na prefeitura, recebem a resposta de que não há verbas para obras de saneamento básico, mas existe um financiamento de 10 mil reais do Ministério da Cultura para a produção de um curta. A idéia é fazer um vídeo qualquer para usar o dinheiro na obra. O único porém é que aquelas pessoas não sabem absolutamente nada sobre cinema. Ao saber da exigência do edital de que a produção deve ser de ficção, imaginam que precisam fazer uma ficção científica. A idéia, que parece à primeira vista uma insensatez, vai ganhando força e, principalmente, o entusiasmo dos envolvidos.

No início, a única pessoa que se engaja para a produção do vídeo – mesmo assim com o único objetivo de resolver o problema da fossa – é Marina, a personagem de Fernanda Torres. O primeiro a comprar a idéia é Joaquim, o marido de Marina, vivido por Wagner Moura. Silene (Camila Pitanga), a fútil e bela irmã de Marina, vê no projeto uma forma de extravasar sua vaidade e quem sabe catapultar uma carreira de modelo, e Fabrício (Bruno Garcia), proprietário de uma pousada no local e namorado de Silene, é o dono da câmera, e só aceita participar da filmagem por temor de que estraguem o equipamento. Otaviano (Paulo José), pai de Marina, é um velho e desiludido veneziano de uma família nobre e decadente. Teve educação, ouve ópera, mas ganha a vida fabricando móveis nos confins do Rio Grande do Sul. Aos poucos, todos vão sendo seduzidos pela construção do vídeo, que ganha fôlego com a entrada de Zico (Lázaro Ramos), dono de uma produtora de vídeo em Bento especializada em aniversários e casamentos.

Saneamento Básico não tem um personagem principal, cada um tem mais ou menos a mesma importância no filme. E um dos motivos de Saneamento Básico ter dado certo é a complexa particularidade de cada personagem. Não há tipos, cada um possui suas vicissitudes que garantem a singularidade. Quem mais corre o perigo de tornar-se um tipo é Silene com seu sonho de celebridade, mas não chega a cair no estereótipo. Ela difere muito da irmã, cujo investimento não é em si próprio, mas em um projeto que melhorará a vida de todos. Os atores sem dúvida foram importantíssimos para a composição dos personagens. A máxima de Hitchcock, “ator é gado”, não é compartilhada pelo diretor de Saneamento Básico.

É um filme que pode ser visto por vários vieses, inclusive opostos. E isso é o que confere qualidade artística a uma obra. Inúmeras “caixas de diálogo” surgem ao longo da projeção. Quem está interessado em apenas uma história boa e bem contada, fica satisfeito. Mas quem acha que um filme deve “levantar questões”, também é um prato cheio. Um país pobre, com chagas sociais gritantes, pode dar-se ao luxo de despender milhões e milhões de reais para a produção de cinema? Obras de saneamento são mais importantes que o investimento em cultura? O esforço pessoal para obter resultados coletivos vale mais a pena do que o auto-investimento? Essas e muitas outras questões estão presentes no filme, sem resposta. A única afirmação é a do poder que a cultura (especificamente o cinema) tem de transformar as pessoas.


O trailer do filme:



Entrevista de Furtado à Carta Capital no blogue OutroCine

quarta-feira, 18 de julho de 2007

Em tempos de supremacia da auto-ajuda (ainda que disfarçada de neuro-lingüística e outras fantasias), é cada vez mais difícil escrever um texto como o que pretendo sobre o terrível acidente aéreo ocorrido na terça-feira em São Paulo. Mas tento.

Por mais que saibamos que a morte faz parte da vida, a dor da perda de pessoas queridas é sempre dolorosa, principalmente quando acontece de uma forma inesperada como esta. Há centenas, milhares de pessoas que morrem diariamente em decorrência da desigualdade social extrema e violenta, da fome, das guerras (declaradas ou não), do descaso no sistema público de saúde, da forma de vida cada vez menos humana que a humanidade tem escolhido. Mas um acidente destes, tão próximo de nós, obriga-nos à reflexão.

Logo que se toma conhecimento da notícia do acidente, a primeira coisa que se torce é para que não haja nenhum conhecido entre os passageiros do vôo. Mas logo passei a pensar nas tantas pessoas por quem tenho profundo carinho e que faz tempo que não vejo. Anos, em alguns casos. Se uma delas estivesse à bordo do avião que explodiu, viria o remorso de não ter compartilhado mais a vida enquanto havia chance. Quem sabe falar-lhe sobre o quanto gosto dela.

Há pouco, uma amiga escreveu em seu blogue uma carta aberta a uma conhecida dela com quem se encontrara fortuitamente depois de muito tempo. Esta amiga da minha amiga cogitou uma consulta aos astros para saber o que eles planejavam com aquele encontro. Não sei se os astros tiveram responsabilidade nisso, não creio que eles tenham este poder. Mesmo que tivessem, não deveríamos contar com isso.

Submersos em compromissos, acabamos deixando pra depois e por fim esquecendo o compromisso de matar a saudade, compartilhar a vida, estar com quem amamos e com quem nos ama. Às vezes substituem isso por contatos frios e distantes pelo orkut, msn etc. Auto-engano. A vida é o que existe, e não se pode saber até quando.

(Acabo de pensar que tudo o que eu queria escrever aqui já foi escrito tanto, e que às vezes as palavras não valem quase nada.)

segunda-feira, 16 de julho de 2007

meteorologia



Esta tarde faz vermelho

Sinal de que a noite

Será carregada de vazios

E carente de estrelas

Prevejo tempos de desalegria
Desalento pelas manhãs
E crepúsculos duradouros
Mas com nuvens de esperança

domingo, 8 de julho de 2007

anotações para um improvável ensaio poético-filológico

Não sei por que, mas fiquei pensando nos dois significados da palavra presente. O momento presente seria um presente (de deus?)? Ou seria a palavra presente – no sentido de mimo, regalo – filha daquela que significa agora? Quem concede um presente teria a intenção de manter-se presente na ausência? Neste caso, não vale oferecer, por exemplo, um chocolate ou uma rosa, do que fica apenas a ausência. Aliás, uma flor, tão linda enquanto presente, murcha e morre, assemelhando-se mais à ausência que à presença. Em suma, à saudade, cacto no jardim das lembranças. Por outro lado, considerando que o tempo presente seja um presente de deus, existem momentos – aqueles em que se deseja que o passado volte a ser presente – que o presente é um presente de grego.

Observação de relevância nula: o verbo apresentar parecia dar-me uma solução, mas acabou por aprofundar a dúvida, pois pensei que ali estivesse a origem do substantivo presente (no sentido de mimo, regalo), estando este separado de presente no sentido de tempo. Mas me convenci de que apresentar significa tornar presente, trazer à presença... e voltei à estaca zero.

segunda-feira, 2 de julho de 2007

aprendizagem


A idéia original deste blogue não é postar citações, mas como ando meio escasso de tempo e com déficit de inspiração, vai uma clarice lispector, que corresponde ao que eu gostaria de escrever no momento, mas nem que o tempo parasse para mim eu conseguiria:


Ainda era cedo para acender as lâmpadas, o que pelo menos precipitaria uma noite. A noite que não vinha, não vinha, não vinha, que era impossível. E o seu amor que agora era impossível – que era seco como a febre de quem não transpira era amor sem ópio nem morfina. E "eu te amo" era uma farpa que não se podia tirar com uma pinça. Farpa incrustada na parte mais grossa da sola do pé.
(Clarice Lispector. in: Uma Aprendizagem ou O Livro dos Prazeres)