segunda-feira, 4 de junho de 2007

Escrevi o texto abaixo para a cadeira de Leitura e Produção Textual. Era para ser uma apresentação pessoal. A professora disse que não consegui me apresentar. Também acho. Mas como o texto é mais ou menos sobre isso, e também um pouco sobre a escrita, acho que tem tudo a ver publicar em um blogue recém-nascido. Então, ei-lo:


espelhos

Diante do espelho, um ponto de interrogação. Ser não é tarefa fácil. Recordo o dia seguinte ao de minha formatura. Sim, eu era um graduado, com um diploma e direito a cela especial. No entanto, defronte ao espelho minha cara era a mesma. Ser o quê? Definir-se como? Ninguém é antes do reconhecimento do outro. Somos, portanto, o espelho do outro. E, à frente do espelho, somos o que queremos apresentar ao olhar do outro. Dificílimo, de fato, este esforço de ser.

Pois no espelho, tentando deixar de moldar para ver o que contém a moldura, vejo-me um pouco como um seguidor do mesmo anjo torto que exortou Drummond a "ser gauche na vida". Um homem que admite enxergar nu o rei que todos fingem ver com as mais belas vestes e que, às vezes, paga caro por isso. Alguém que não sabe ganhar dinheiro por se interessar mormente pelas coisas que, de tão grandes, são insignificantes. Um abraço, um olhar, um sorriso, um filme sem desfecho conclusivo. Um homem que aprendeu a ver na pequenez do cotidiano a grandeza que a maioria só vê em um Deus distante.


Creio-me um homem sem destino, mas com projetos; sem proteção, mas com amigos; com muitos amigos, mas solitário; com um coração alegre, mas não feliz. Um homem que entre os homens passa despercebido, uma fruta que o paladar estranha antes de sentir – quando sente – o sabor. Não assuste-se o leitor por tantas e tamanhas abstrações. É assim que driblo a dificuldade da autodefinição, como um espelho que, de tanto distorcer a imagem que reflete, acaba por revelar detalhes nunca percebidos antes.


É esse espelho distorcido que pretendo construir nos textos que escrevo. Um espelho jamais poderá ser o objeto que se encontra postado a sua frente. Tampouco poderá ser absoluta, isto é, ninguém consegue olhar um espelho sem enxergar-se nele refletido. Assim, penso, deve ser o bom texto literário, construído em conjunto com o leitor. O escritor precisa perceber que não se fabrica espelhos – nem textos – que não sejam para refletir quem lhe encara. Aonde desejo chegar, pergunta o leitor. Respondo: quem sou importa menos do que quem quero ser. Um fabricante de espelhos, eis o que me pretendo.