quinta-feira, 14 de julho de 2011

noite de s. joão


Noite de S. João para além do muro do meu quintal.
Do lado de cá, eu sem noite de S. João.
Porque há S. João onde o festejam.
Para mim há uma sombra de luz de fogueiras na noite,
Um ruído de gargalhadas, os baques dos saltos.
E um grito casual de quem não sabe que eu existo.

Alberto Caeiro


Caía a tarde naquela sexta-feira de junho. Distraía-me com alguma leitura sonolenta na solidão do meu apartamento. Lançando o olhar a esmo para além da janela, notei que se festejava a noite de S. João em um prédio vizinho, a uns 100 ou 200 metros do meu, cujo terraço, onde se dava o folguedo, fica bem ao nível da minha janela. Alguns jovens, todos do sexo masculino, preparavam o ambiente a céu aberto, dispondo balões e bandeiras feitas com recortes de revistas e demais enfeites próprios das festas juninas. Vestiam-se, claro, a carater: camisa xadrez, chapéu de palha trançada.

Senti, mais com a imaginação que com o olfato, o cheiro do quentão que por certo era preparado por aqueles rapazes ávidos por uma alegria à toa. Uma leva mais forte, com uma boa quantidade de aguardente adicionada à mistura. Outra, para os menos beberrões, mais doce e com menor teor alcoólico. Imaginei o cardápio daquela celebração composto por pinhão, pipoca, rapadura e, enfim, o habitual em festas do mesmo tema.

O grupo não tardou a se multiplicar, na mesma proporção do volume produzido pela algazarra de suas vozes e risadas, permeada por uma música indistinta para a distância em que eu me encontrava da folia. Esses sons me chegavam confundindo-se uns aos outros, mesclando-se, como uma imagem de que, ao longe, não se distingue cada objeto separadamente, tornando-se para quem vê uma imprecisa massa disforme.

Senti uma pequena alegria por aqueles rapazes, lembrei-me de memoráveis festejos de que fiz parte no passado, e remoendo a memória, não vi chegando, dominadora, a inveja. É óbvio que só agora, com a frieza da análise e a ajuda da linguagem escrita, chamo de inveja aquilo que senti. Naquele momento, o crescente despeito pelo deleite alheio fora tratado por mim como uma legítima análise crítica daquele festim tão cafona, tão artificial, e tão fracassado.

Fracassado sim, ou alguém chamaria de bem-sucedida uma festa junina que não conte nem mesmo com uma fogueira? A euforia dos jovens que chegaram primeiro e tão entusiasticamente prepararam o ambiente não durou muito. O que se via depois era uma alegria forçada, pouco convincente, talvez porque, como pude notar, o número de convivas homens superasse o de mulheres na proporção de 3 ou 4 por uma. Para piorar, as poucas moças que compareceram digamos que não primavam pela beleza.

Na certa, os organizadores do evento contavam com um contingente muito maior de mulheres, dado o número de amigas que, apesar de garantir que estariam presentes, não deram o ar da graça. Algumas delas já estavam decididas a não comparecer desde quando confirmaram presença, outras o fizeram com a real intenção de participar do festejo, mas depois, acabaram desistindo, por terem arranjado outro entretenimento mais auspicioso ou mesmo por, pensando melhor, considerarem ridícula a coisa toda.

O fato é que a festa preparada para ser uma apoteose de diversão mixou quando ainda tentava engrenar. E mesmo da distância da minha janela pude notar a crescente onda de bocejos e muxoxos. Não sei se realmente vi ou metaforicamente imaginei, mas até a lua sumiu, vencida por alguma nuvem. Não demorou para o recolhimento total dos participantes daquela noite de S. João. E daquela festa sobrou um terraço com bandeirolas penduradas balançando para ninguém. Naquela noite, adormeci lentamente, envolvido por um silêncio absoluto, sem fogueiras, sem gargalhadas, sem baques de salto, sem grito casual de quem não sabe que eu existo.


Imagem: GUIGNARD, Alberto da Veiga. NOITE DE SÃO JOÃO, 1961, Série Paisagem Imaginante, Óleo/tela, 61 x 46 cm

segunda-feira, 27 de junho de 2011

o novo woody allen


“Pena de quem viu Paris à Meia-noite no fds. melhor q ver um novo woody allen é a expectativa de vê-lo sabendo q está num cinema perto de vc.”
Escrevi isso no Twitter na segunda-feira subsequente à sexta em que Meia-noite em Paris, o novo Woody Allen, entrou em cartaz em Porto Alegre. Na quinta-feira, uma semana após a estreia, finalmente assisti ao filme. A semana entre a estreia e a ida ao cinema é como um ritual sabático, excitante, de espera e expectativa.

Woody Allen faz um filme por ano, uma frequência quase ritualística também (segundo a Wikipedia, a última vez que o judeu nova-iorquino lançou dois trabalhos no mesmo ano foi há quase duas décadas, em 1992, quando foram paridos Neblinas e Sombras e Maridos e Esposas, e o último ano que não viu nascer uma obra de Allen foi 1974). Seus fãs aguardam a novidade com avidez, cada qual com seu ritual, individual ou em pequenos grupos.

O meu é esse, simples: assistir ao filme uma semana depois de sua estreia. Sete dias é tempo suficiente para deixar brotar aquela vontade, aquela curiosidade, aquela saudável impaciência e um certo temor de que o título saia de cartaz prematuramente. Como, aliás, já aconteceu comigo: o gostinho da expectativa de assistir a O Sonho de Cassandra se tornou amargo quando fiquei a ver navios, traído pela inexplicável curtíssima temporada de exibição. Daí fixar em exatos sete dias o período preparatório. Não é cabala, é precaução.

Outro temor que me vejo obrigado a enfrentar é o de alguém deselegantemente contar o final do filme ou algum detalhe importante, estragar uma piada, desfazer uma surpresa. É um risco considerável. Se bem que relativo, porque ninguém consegue fazer uma história do Woody Allen parecer tão divertida e saborosa a não ser o próprio. Além do mais, todo fã do Woody tem certeza de que sabe como ninguém ver um filme dele, desvelar suas nuanças, captar uma referência, compreender uma metáfora sub-reptícia e sacar uma piada interna, daquelas que só sendo muito íntimo do autor - condição que o fã confere a si próprio, sem cerimônias.

Não confundir esse expediente deplorável dos estraga-prazeres com comentários e críticas despretensiosas sobre o filme. Por exemplo: como as que se lê e ouve pela imprensa ou as dos amigos e conhecidos, coitados que ignoram a semana sabática de saborosa privação (e provação). São geralmente opiniões pessoais do tipo “gostei/não gostei”, incapazes de minar nosso interesse pelo filme, tampouco de adiantar ou postergar a data em que vamos deliciarmo-nos com ele, mas que atiçam nosso desejo no período da espera.

A maioria das considerações, seja o “gostei” ou o “não gostei”, é sucedida por sentenças como “é o mesmo Woody Allen de sempre” ou “é divertido, mas nada de novo”. Típicos de espectador comum (sim, os fãs se colocam acima do que consideram espectador comum). São asserções de quem, quando do lançamento de Match Point, não titubeou em vaticinar: “é o melhor Woody Allen”, quando na verdade se trata do menos Woody Allen dos Woody Allens. Esses comentários são saudáveis para aumentar nossa expectativa, e para reafirmarmos a nós mesmos, após ver o filme, que eles não entenderam.

Eles não sabem, por exemplo, que um Woody Allen não se explica completamente por si só, mas compõe o conjunto da obra, faz muito mais sentido se relacionado aos demais trabalhos de sua filmografia. Nem imaginam que a suposta mesmice ou repetição faz parte de uma marca registrada do autor, que criou seu próprio jeito de escrever, filmar, dirigir, dando liga a essa teia de filmes. Ignoram que com essa aparente carência de profundidade na construção das personagens, repetições de situações e tramas, limitação de recursos estilísticos, preguiça e falta de audácia para desafiar a gramática fílmica tradicional, o cineasta destila sua agridoce e singular visão da condição humana.

Alguém pode dizer, para justificar o ato precipitado de assistir ao filme logo na estreia, que a espera já ocorre desde o seu lançamento internacional. Mas não, essa espera por algo distante, ainda inacessível, é infinitamente menor do que a espera quando o objeto de desejo está ali, disponível, a poucos metros, a poucos minutos de ti. Às vezes, quando um filme estreia no Brasil, Woody já tem mais um ou dois filmes sendo rodados ou já exibidos no exterior. Mas o que nos assanha mesmo é o que já chegou.

Sobre Meia-noite em Paris? É um Woody Allen. Que mais dizer? Esperemos o próximo, The Bob Decameron, no ano que vem.

segunda-feira, 6 de junho de 2011

sobre anjos e grilos e passarinhos

Assisti ao espetáculo Sobre Anjos e Grilos, uma homenagem-adaptação-recriação da obra do poeta Mario Quintana concebida, dirigida e interpretada por Deborah Finocchiaro, a atriz mais Mario Quintana do Rio Grande do Sul. Durante cerca de uma hora, a artista só sobre o palco praticamente nu – apenas com uma máquina de escrever e um pano sobre o qual são projetadas imagens alegóricas sobre o universo quintanesco – traduz para fora das páginas a essência poética deste que é considerado o maior poeta sul-riograndense. E o faz com desobediente fidelidade e parcimoniosa grandeza.

A nudez despojada e ultrajante do palco dá espaço à cuidadosa e exata iluminação que compõe o ritmo e o tom da peça, aliada às gravuras temáticas da artista plástica Zoravia Bettiol, estas alinhadas ao tom de singela loucura que caracteriza o poeta-tema do espetáculo. Envolta neste ambiente, Deborah trilha o percurso onírico-material de Mario Quintana, a um só tempo leve e fustigante, debochado e melancólico, metódico e anárquico.

À vontade no papel de porta-voz cênica do poeta coestaduano, Deborah sabe (sabe?) que ela, seu trabalho, sua trajetória, funde-se ao de Quintana, não por uma aproximação pré-concebida ou ainda pré-identificável, mas por uma questão que, forçosa, foge à intenção e mesmo à consciência do artista. Ambos construíram suas história neste confim do Brasil, longe dos holofotes da exposição e consagração midiática que confunde caricaturalmente artista e celebridade de coisa nenhuma.

Ambos, Deborah e Mario, ficaram. Fundiram-se à paisagem e ao cotidiano desta distante Porto Alegre ao ponto de muitas vezes não sabermos distinguir o que estes artistas revelam da cidade e o que através dela dizem de si próprios. E deste microcosmo às vezes tão pequeno, às vezes tão provinciano, às vezes tão mesmo, leram e cantaram o intangível universal.

Não sendo – pra minha vergonha e tristeza – um frequentador assíduo de teatro, fui tocado pela fina simplicidade do espetáculo, que teve o cuidado de sobretudo nisso aproximar-se de Quintana, o poeta pelo qual tive meu primeiro contato com a poesia. Aos cinco anos de idade, encasquetei com um pano de prato comemorativo aos 80 anos do poeta que minha mãe ganhara de brinde. Neste pano estava escrito o famoso poema “Todos esses que aí estão / Atravancando meu caminho, / Eles passarão... / Eu passarinho!”. Aquilo para mim não fazia qualquer sentido e eu me intrigava e não entendia como alguém podia chamar aquilo de poesia. De tanto ensimesmar com o enigma, aconteceu-me aquilo que se chama de experiência estética. Um pano de prato, um palco nu, Deborah nele, Quintana sobre a máquina de escrever, eu passarinho

Imagem: Zoravia Bettiol. Mario-Anjo Disfarçado de Homem. Série Trans-figurações de Quintana. Monotipia 2006

terça-feira, 1 de março de 2011

terça-feira, 25 de agosto de 2009

funeral de um lavrador

















Esta cova em que estás com palmos medida
É a conta menor que tiraste em vida
É de bom tamanho, nem largo nem fundo
É a parte que te cabe deste latifúndio
Não é cova grande, é cova medida
É a terra que querias ver dividida

João Cabral de Melo Neto



O jornal Zero Hora do dia 22 de agosto de 2009 noticiou a execução pelo Estado do camponês sem terra Elton Brum da Silva, em São Gabriel (RS), com uma reportagem intitulada “MST ganha seu mártir”. O curto, impactante e decisivo título da matéria induz – ou busca induzir – o leitor a entender que o episódio não só teve saldo positivo para o movimento dos sem-terra como por ele foi planejado e provocado.

Subentende-se, portanto, pelo discurso contido em Zero Hora, que, se houve erro da polícia, este não foi ter matado um ser humano, mas ter presenteado o MST com um mártir. Como se de mártires os que lutam pela reforma agrária ainda precisassem – vide o massacre em Eldorado dos Carajás e tantas outras ações da polícia e de capangas em defesa do sagrado e inalienável direito dos latifundiários à propriedade.


Após trazer, em nome da protocolar imparcialidade, a informação de que testemunhas atribuíram a autoria do disparo a um oficial da Brigada Militar, o texto prontamente trata de desqualificá-la: “Grande parte das testemunhas é ligada ao MST, que já deu início a uma primeira estratégia de reação: orientou seus militantes a soterrarem com depoimentos os cartórios da Delegacia da Polícia Civil de São Gabriel, que investigará a morte. Os testemunhos repetem que o autor do disparo é da BM”. A reportagem não teve curiosidade de apurar se, por acaso, os policiais que participaram da operação foram orientados por seus superiores sobre a versão que deveriam sustentar para livrar a cara de comandados e, principalmente, comandantes sobre a responsabilidade pela ação criminosa?


No decorrer da notícia, Zero Hora continua martelando a ideia de que o MST só tem motivos para festejar o ocorrido e aproveitá-lo politicamente: “O segundo passo dos militantes poderá ser uma grande movimentação em direção à fronteira, ainda sem data definida.”


Nenhuma linha sobre a dor de familiares e companheiros da vítima, como é tão comum em notícias cuja personagem violentamente assassinada provém da chamada classe média. Aliás, não lembro alguma vez ter visto Zero Hora ou qualquer outro veículo da grande imprensa decretar, quando do homicídio de um membro da tal classe média, que os setores conservadores da sociedade ganharam um mártir em sua sanha por pena de morte, redução da maioria penal ou tolerância zero nas operações policiais em favelas e guetos. Em suma, para que o Estado legitime, cada vez mais, a sobreposição do direito à propriedade em detrimento do direito à vida.


O crime

O militante sem-terra Elton Brum da Silva, 44 anos, tombou varado nas costas por um tiro de espingarda calibre 12. O crime ocorreu durante operação da Brigada Militar para cumprir ordem de reintegração de posse concedida pela Justiça ao fazendeiro Alfredo Southall, cujo latifúndio soma mais de 13 mil hectares.

Nenhuma arma de fogo foi encontrada pela polícia em posse dos sem-terra que ocupavam a fazenda. O próprio governo do Rio Grande do Sul admite que o tiro partiu da Brigada Militar.


Ao que tudo indica, o autor do disparo ostenta uma alta divisa no braço que puxou o gatilho. Em
entrevista divulgada pela Associação Brasileira de Radiodifusão Comunitária (Abraço), o ex-ouvidor agrário do governo do RS Adão Paiani disse ter ouvido de fontes policiais que o tiro à queima roupa contra Elton Brum da Silva foi disparado por um alto oficial da brigada. "Se essa conta for debitada a um soldado da Brigada, eu, como filho de um soldado da Brigada, vou apontar o nome do autor do homicídio", afirmou Adão Paiani.

O jornal classifica reiteradamente a ação como “desastrada”, e não como resultado de uma visão política e governamental de criminalização dos movimentos. No entanto, as fotos e relatos da operação de remoção do acampamento de trabalhadores sem-terra - humilhação e violência contra os manifestantes -, e o histórico de repressão por parte do atual governo do RS a manifestações como as de estudantes e sindicalistas prova que o tiro fatal contra o militante é antes uma consequência que um desvio do pensamento do poder Executivo gaúcho.


Sem argumentos para justificar a ação, a saída é desqualificar seu alvo: “Os sem-terra invadiram a Southall no dia 12 e, como de costume, protelaram sua retirada da fazenda. Contrariaram a ordem judicial para que evacuassem a área. Esticaram até o ponto de ruptura a tênue linha que separa a legalidade da clandestinidade e da desobediência metódica.” No discurso do jornal, manter latifúndios improdutivos está abrigado sob a legalidade, embora não seja isso que reze a Constituição Federal, e lutar por reforma agrária e por acesso à terra, direitos previstos pela mesma Constituição, é clandestina desobediência.





Foto: César Soares/extraída do Portal Terra

quinta-feira, 18 de dezembro de 2008

duas quedas

Esse meu amigo, o F... não interessa, omito o nome para evitar constrangimentos. Basta dizer que ele tinha dois grandes orgulhos, evocados ao infinito no vaidoso intuito da jactância. Eis que esse meu amigo perdera de uma só vez as duas razões que alimentavam sua imodéstia. Foi assim: gremista aferrado, ficara chateado com o título de campeão da América conquistado pelo Inter, arqui-rival que ele tanto detestava. Chateado, mas não preocupado, porque tinha certeza de que ao disputar o Mundial, o Colorado não só não conseguiria bater o supertime do Barcelona como seria humilhado ao tomar uma goleada da equipe catalã.
Era tamanha a convicção que acertou com um grupo de amigos, todos gremistas, de assistirem juntos ao embate futebolístico. Para tanto, combinaram de passar a noite pelos bares e, às oito e meia da manhã, horário que começaria a partida disputada no Japão iriam para a casa de um deles degustar a irreversível derrota colorada.
Acontece que a noite, assim como o futebol e as mulheres, gosta de desafiar a lógica e de pregar peças nos humanos incautos, e eis que a beleza arrebatadora de uma ex-colega de escola, que ele tanto desejara e jamais havia conquistado, arrancou o nosso protagonista da mesa de seus companheiros, desfalcando a corrente anticolorada. Ele não faria falta, argumentou com o grupo, pois o jogo eram favas contadas.
Despediu-se prometendo presença na festa do título do Barcelona e se embrenhou na libidinosa mata do desejo, cujo destino não muito tortuoso foi a residência da dama. Não entendeu porque o permanente desprezo da moça nos tempos de colégio transformou-se em desejo arrebatador, mas o que importava era que finalmente a tinha conquistado, e o sabor das conquistas é proporcional às dificuldades de alcançá-las.
Quando entraram, ardentes, no apartamento, o sol já raiava, o que significava que os atletas de Barcelona e Internacional já corriam pelo gramado oriental disputando a taça mais almejada pelos clubes de futebol ao redor da Terra. Mesmo com a excitação do jovem casal, arranjou um jeito de pedir à amante que ligasse o televisor, e em meio a beijos, sussurros e suores, tentava prestar atenção ao jogo.
Tanto a batalha dos gramados quanto a da cama se encaminhavam para o final apoteótico. A garota, desfigurada de prazer, gemia cada vez mais alto. Porém, súbito, a voz do narrador pareceu tomar o ambiente: “O Inter vai pro ataque, o Inter se manda. Olha o Iarley, vamos nessa, olha a chance. Abriu pela direita. Olha o gol, olha o gol, bateu, olha o gol, olha o gol, olha o gol, olha o gol, olha o gol, olha o gol. Gooooooooooollllllllllllllll. Éééééééééééé do IIIIIIIInteeeeeerrrrrr”.
A partir desse momento, ele não ouviu mais nada. E nem fez mais nada. Tentou concentrar-se na batalha da cama, mas essa também já estava perdida, e ruíram no mesmo instante os dois grandes orgulhos do meu amigo: o de que o Grêmio era o único gaúcho campeão mundial e o de nunca ter brochado. Logo, foi-se embora com uma despedida sem graça, derrotado em meio àquela manhã vermelha de domingo.

domingo, 7 de dezembro de 2008

Penelope Maria Elena Barcelona


Fui assistir Vicky Cristina Barcelona e pensei: vou escrever um texto sobre o filme para o blog. Só que eu estava lá, assistindo, e achando o filme uma chatice. Mas falar mal do Woody Allen é blasfêmia das mais cabeludas. Daí fiquei pensando o que eu poderia escrever. Eis que, lá pela metade da projeção, aparece a Penelope Cruz. E eu cá comigo: já sei o que botar no blog. Isso:

A Scarlett Johansson é bonita. Bonita mesmo. Mas a Penelope Cruz é infinitamente mais linda.

Ia escrever só isso. Mas não é que a partir do momento em que a espanhola entra em cena o filme começa a ficar legal? Começa a ficar mais Woody Allen. Maria Elena, a maluca com tendências suicidas interpretada por Penelope, é uma personagem tipicamente woodyalleniana. O cara foi buscar em uma personagem espanhola, vivida por uma atriz espanhola, um jeito de se encontrar consigo mesmo.
Impressionante como o velho nova-iorquino faz filmes tão parecidos e a gente não cansa, continua gostando igual. Vicky Cristina Barcelona saiu de Manhattan, a trilha sonora não é jazz, Woody Allen não atua, mas mesmo assim o filme tem a marca registrada de seu autor, aquilo que chamamos estilo, e que alguém classificou como a arte de plagiar a si próprio.
Dá-lhe Woody. Ainda bem que nem cogitei escrever algo de ruim sobre o filme.