quinta-feira, 18 de dezembro de 2008

duas quedas

Esse meu amigo, o F... não interessa, omito o nome para evitar constrangimentos. Basta dizer que ele tinha dois grandes orgulhos, evocados ao infinito no vaidoso intuito da jactância. Eis que esse meu amigo perdera de uma só vez as duas razões que alimentavam sua imodéstia. Foi assim: gremista aferrado, ficara chateado com o título de campeão da América conquistado pelo Inter, arqui-rival que ele tanto detestava. Chateado, mas não preocupado, porque tinha certeza de que ao disputar o Mundial, o Colorado não só não conseguiria bater o supertime do Barcelona como seria humilhado ao tomar uma goleada da equipe catalã.
Era tamanha a convicção que acertou com um grupo de amigos, todos gremistas, de assistirem juntos ao embate futebolístico. Para tanto, combinaram de passar a noite pelos bares e, às oito e meia da manhã, horário que começaria a partida disputada no Japão iriam para a casa de um deles degustar a irreversível derrota colorada.
Acontece que a noite, assim como o futebol e as mulheres, gosta de desafiar a lógica e de pregar peças nos humanos incautos, e eis que a beleza arrebatadora de uma ex-colega de escola, que ele tanto desejara e jamais havia conquistado, arrancou o nosso protagonista da mesa de seus companheiros, desfalcando a corrente anticolorada. Ele não faria falta, argumentou com o grupo, pois o jogo eram favas contadas.
Despediu-se prometendo presença na festa do título do Barcelona e se embrenhou na libidinosa mata do desejo, cujo destino não muito tortuoso foi a residência da dama. Não entendeu porque o permanente desprezo da moça nos tempos de colégio transformou-se em desejo arrebatador, mas o que importava era que finalmente a tinha conquistado, e o sabor das conquistas é proporcional às dificuldades de alcançá-las.
Quando entraram, ardentes, no apartamento, o sol já raiava, o que significava que os atletas de Barcelona e Internacional já corriam pelo gramado oriental disputando a taça mais almejada pelos clubes de futebol ao redor da Terra. Mesmo com a excitação do jovem casal, arranjou um jeito de pedir à amante que ligasse o televisor, e em meio a beijos, sussurros e suores, tentava prestar atenção ao jogo.
Tanto a batalha dos gramados quanto a da cama se encaminhavam para o final apoteótico. A garota, desfigurada de prazer, gemia cada vez mais alto. Porém, súbito, a voz do narrador pareceu tomar o ambiente: “O Inter vai pro ataque, o Inter se manda. Olha o Iarley, vamos nessa, olha a chance. Abriu pela direita. Olha o gol, olha o gol, bateu, olha o gol, olha o gol, olha o gol, olha o gol, olha o gol, olha o gol. Gooooooooooollllllllllllllll. Éééééééééééé do IIIIIIIInteeeeeerrrrrr”.
A partir desse momento, ele não ouviu mais nada. E nem fez mais nada. Tentou concentrar-se na batalha da cama, mas essa também já estava perdida, e ruíram no mesmo instante os dois grandes orgulhos do meu amigo: o de que o Grêmio era o único gaúcho campeão mundial e o de nunca ter brochado. Logo, foi-se embora com uma despedida sem graça, derrotado em meio àquela manhã vermelha de domingo.

domingo, 7 de dezembro de 2008

Penelope Maria Elena Barcelona


Fui assistir Vicky Cristina Barcelona e pensei: vou escrever um texto sobre o filme para o blog. Só que eu estava lá, assistindo, e achando o filme uma chatice. Mas falar mal do Woody Allen é blasfêmia das mais cabeludas. Daí fiquei pensando o que eu poderia escrever. Eis que, lá pela metade da projeção, aparece a Penelope Cruz. E eu cá comigo: já sei o que botar no blog. Isso:

A Scarlett Johansson é bonita. Bonita mesmo. Mas a Penelope Cruz é infinitamente mais linda.

Ia escrever só isso. Mas não é que a partir do momento em que a espanhola entra em cena o filme começa a ficar legal? Começa a ficar mais Woody Allen. Maria Elena, a maluca com tendências suicidas interpretada por Penelope, é uma personagem tipicamente woodyalleniana. O cara foi buscar em uma personagem espanhola, vivida por uma atriz espanhola, um jeito de se encontrar consigo mesmo.
Impressionante como o velho nova-iorquino faz filmes tão parecidos e a gente não cansa, continua gostando igual. Vicky Cristina Barcelona saiu de Manhattan, a trilha sonora não é jazz, Woody Allen não atua, mas mesmo assim o filme tem a marca registrada de seu autor, aquilo que chamamos estilo, e que alguém classificou como a arte de plagiar a si próprio.
Dá-lhe Woody. Ainda bem que nem cogitei escrever algo de ruim sobre o filme.